Recentemente a série da Lena Dunham e que, por ventura, também pertence a HBO, completou seus 10 anos de existência.
Devo confessar que não acompanhei na época da transmissão original, talvez um dos meus arrependimentos? Não sei bem. Quero dizer… É um fato que já conhecia a produção e sabia da existência, até porque era difícil não saber sobre, com o impacto que ela causou na época… Entretanto, também não é difícil encontrar todas as polêmicas, pertinentes ou não, que envolveram o doce, e ao mesmo tempo espinhoso, bebê de Dunham.
O que me chamou atenção na maratona de todas as temporadas que fiz, no conforto da minha HBO Max, no meio do ano passado, foi a abordagem sobre a amizade.
Hannah, Marnie, Jessa e Shoshanna são, antes de seus possíveis arquétipos, representadas como personagens que estão naquela fase da vida onde a incerteza sobre tudo, ou quase tudo, é a nossa amiga mais íntima. Por esse motivo, suas respectivas personalidades acabam sendo afetadas por essa realidade específica e logo, pelas relações entre elas.
Assim como a série mostra em praticamente todos os seus episódios, em algum momento, a aleatoriedade que essa época da vida traz é tão boa quanto ruim. Como viver em um barquinho furado à deriva que às vezes entra muita água e às vezes não, essas meninas sobrevivem o tempo inteiro. É claro que falo isso dentro do contexto que a produção aborda. Se você está lendo isso até aqui é porque provavelmente assistiu. Então eu não preciso te explicar que a proposta conta sobre quatro garotas brancas de classe média que vivem em Nova York em apartamentos minúsculos, que você provavelmente não pode pagar, e que passam por problemas pessoais e de relacionamentos, em sua maioria. Sem esquecer da questão mais óbvia que é a trajetória da mulher jovem, entre os 20 e 30 anos, e os seus inúmeros percalços dentro desse mundo.
O fato é que, independente das críticas, assistir Girls sem ter parado pra ler e ver as inúmeras matérias ou vídeos no Youtube que explicam, em detalhes, como a série pode ter sido completamente horrível e irresponsável em algum momento foi uma experiência enriquecedora. Isso não porque me deixei de olhos fechados para alguns problemas bem visíveis, no entanto, nada que nenhuma outra produção de grande ou maior impacto na cultura estadunidense e mundial também não tenha tido.
Ter Lena Dunham como a cabeça por trás e a frente desse projeto significa, antes de mais nada, que há uma grande sensibilidade sendo trabalhada e apresentada. O lado mais sensível e potente de Girls está, não só na maneira fortemente crua como a escritora e atriz retrata esse mundo e sim nas relações e construções que são apresentadas ao longo da narrativa em geral.
Na minha visão, a amizade entre as quatro personagens principais parece um fio condutor que realmente agrega a todos os outros pontos importantíssimos que esse produto trouxe ao mundo. Esse é o espectro do texto que, diria, mais representa o lado humano e sensível dessas personagens e transforma a produção, com todos os seus erros, em algo que não só envelhece bem como traz uma mensagem que realmente perdura ao longo dos anos.
Os amigos te influenciam fortemente nessa fase da vida porque, talvez, você ainda não sabe lidar com quem é
Ao longo de seis temporadas somos introduzidos a inúmeros conflitos e situações que atravessam a relação das meninas. Se são grandes acontecimentos ou não, isso não importa, as formas como elas lidam com seus problemas pessoais são, provavelmente, as piores possíveis. É claro que não sempre, mas na maioria delas.
O impacto na amizade é certo, mas isso não se torna repetitivo na trama porque, na verdade, é meio que assim na vida real, não acha? Os problemas se repetem, conjunturas específicas que foram resolvidas antes tornam a acontecer e muitas vezes de maneiras ainda mais estúpidas do que antes. De novo, não é assim que funciona na vida? Pois é… É nesse ponto que Girls faz o encontro entre a crueza e a sensibilidade do seu texto.
Quando chegamos próximos ao fim da série, isso fica mais claro, porque começamos a entender que todos aqueles problemas ou “problemas” - leia como preferir - são reflexos de um momento específico da vida, que vai acabar. Eles se repetem porque as meninas estão em uma fase onde, ao invés de enxergarem neles oportunidades de crescerem com autossuficiência, resolvendo-os completamente sozinhas, elas escolhem buscar o apoio umas nas outras de alguma forma. Isso não representa necessariamente um erro mas sim um traço dessa realidade que gera a consequência dos conflitos em algum ponto mais à frente.
Isso me chamou atenção justamente por ser apresentado de uma forma tão próxima do real. Quer dizer… Amigos são incríveis e necessários mas também podem ser egoístas, teimosos e mesquinhos porque antes de serem amigos são seres que erram e aprendem (mesmo que nem sempre).
Absolutamente todas elas são horríveis umas com as outras e consigo mesmas em vários momentos. Quer expressão mais próxima da realidade do que isso?
A relação entre Marnie e Hannah exemplifica muito como o egoísmo está presente mesmo quando tentamos nos enxergar como pessoas de boas intenções. É possível sentir, em vários momentos, que existe um amor muito grande entre elas. A amizade é genuína, com todos os seus espinhos. Elas também evoluem para si mesmas ao longo da história, assim como Jessa e Shoshanna, mas a relação entre elas sempre faz parte dessa evolução, é intrínseca e isso traz consequências.
No último episódio da série, vemos um epílogo da história um pouco mais a frente do momento que acompanhamos ao longo dos anos da narrativa. É um capítulo diferente, seco, cru e completamente inesperado para o que se aguarda de um series finale de uma produção assim. É um episódio tão descolado do enredo principal que nem todas as atrizes principais aparecem, mas não é difícil encontrar uma explicação pertinente para isso quando você presta atenção sobre o que estamos vendo sobre aquelas pessoas.
Em uma nova realidade, as únicas amigas que permaneceram juntas, mesmo em um outro momento da vida, foram Hannah e Marnie. A forma como isso impacta a vida de ambas, seja por suas escolhas pessoais ou decorrentes da relação de amizade, é bem óbvia na verdade. Esse não é um episódio alegre, elas não parecem felizes ou livres e sim, acomodadas, presas, talvez uma a outra ou a uma ideia e momento da vida que já ficou para trás.
Quando a mãe de Hannah diz a Marnie sobre o impacto de deixar um laço como esse ser desfeito em algum momento da vida ela está falando sobre felicidade. Como, às vezes, temos que encontrar a felicidade sozinhos. Não negando ou praguejando sobre o passado e as pessoas importantes que ficaram para trás e sim, entendendo os diferentes momentos da vida e como ela pode trazer a felicidade de formas diferentes.
Uma visão sobre a vida bem diferente do que estávamos acostumados a ver sobre aquelas personagens...
Em seu final, a produção se torna um marco na cultura não só pela natureza de alta qualidade de seu texto, com todos os defeitos de sua execução, mas também por meio de seus inúmeros significados e simbolismos sobre a vida. Girls nos ensina que a amizade é sim uma fonte inesgotável de momentos incríveis e lembranças que vão nos preencher pelo resto da vida, mas que também precisamos evoluir e entender a vida sob outras perspectivas, justamente para talvez, um dia sermos pessoas melhores não só para quem amamos e fomos próximos um dia, mas, para nós mesmos.