Que o mundo parou para ver a Barbie, não é novidade para ninguém, mas entender tudo por trás do marketing e das jogadas comunicacionais que envolveram a narrativa do filme é essencial para poder captar o conceito do live-action mais falado dos últimos anos. Esse, inclusive, é um dos filmes mainstreaming que consegue muito mais do que pensa ser possível.
Falando de uma das marcas mais poderosas do planeta, o filme tinha uma responsabilidade muito grande em suprir expectativas. O mundo cor-de-rosa de Barbie já vinha trazendo muito mistério sobre o que poderíamos assistir nas telonas: seria um filme infantil? Veríamos uma Barbie perfeita e um filme levinho? Qual seria a virada de chave para ser descrito como um roteiro genial?
As obras cinematográficas enfrentam várias vertentes por meio dos gêneros, e aqui não seria diferente. Unindo comédia, crítica social e uma ambientação beirando a perfeição, encontramos na Barbie a representação perfeita do fator nostalgia que tenta nos mostrar nuances da realidade enfrentada por muitas mulheres que já foram meninas. E ainda assim isso nem foi o suficiente e está longe de ser o golpe de força bruta que muitos esperavam.
Dito isso, é necessário começar dizendo que esse não é um filme para criança (como já sabemos). Não adianta levar os filhos, não adianta dizer que a filha que brinca de Barbie está ansiosa para assistir. O outro ponto é a polêmica levantada por ser um filme “anti-homem e anticristão”. Arrisco dizer que o filme da Barbie nem é feminista o suficiente para poder receber tanto hate, mas, por conta da onda rosa que invadiu o imaginário e o armário de milhares de pessoas, isso chegou a incomodar a ponto de vermos inúmeros vídeos e posts depreciando o filme por muito pouco.
Para quem queria um filme leve, de boas, com a Barbie perfeitona, talvez não tenha encontrado isso. Temos sim, todos os estereótipos presentes, mas o objetivo aqui é justamente tentar refletir sobre eles e compreender as diferenças, fazendo uma crítica inclusive à própria Mattel. Ainda assim, há um filme agradável enterrado sob todo esse hype.
Em um roteiro bem construído e dirigido por Greta Gerwig, os paralelos de desconstrução passando pela ingenuidade, amadurecimento e reconhecimento da perfeição de Barbieland perante ao mundo real, conseguem cumprir o que se propõe.
Nas críticas recebidas, sempre pairava o fato da Barbie ser muito feminista por ter inúmeras profissões e se dedicar a carreira e às amigas, ao invés da vida de mãe e esposa. No entanto é errado dizer que a mulher pode ser o que quiser? É ruim descontruir o padrão Barbie de estética? Por que tentar impor um filme perfeito e dentro de todos os padrões de virtude e moralidade, se estamos em uma sociedade cada vez menos tradicional?
O filme começa com a Barbie surgindo em meio a uma realidade onde as meninas só podiam brincar de bonecas e de casinha como mãe. A cena inicial, que inclusive está nos trailers, mostra meninas com seus bebês e afazeres domésticos se deparando com a nova boneca que permitia que elas imaginassem uma vida sobre ela mesma e não em prol de terceiros, como filhos e maridos. Boneca essa que se tornou representativa ao longo dos anos, mostrando a Barbie negra, a deficiente, a que conquistava espaços majoritariamente masculinos e tantas outras.
O que apontaram como uma tentativa de “demonizar a maternidade” nada mais é que uma desconstrução do paradigma da obrigação de ser mãe. É uma crítica à própria sociedade tradicional que espera que mulheres tenham 3 ou mais filhos e ainda julga as que decidem ser mãe de 1 ou até mesmo não ter filhos. Ser mãe tem a ver com desejo, envolve amor, doação e planejamento, não cabendo aqui que se assumam papéis para acatar padrões da sociedade.
Além disso, os motivos que fazem Barbie ir parar no mundo real e que a faz pensar que está “dando defeito” é um estigma interessante, que nos leva a entender como nosso corpo e relação com o mundo estão intimamente interligados, sendo tratadas de uma forma espontânea e pouco forçadas dentro da narrativa. As interações entre os dois mundos até fazem sentido, mas talvez não sejam o que o espectador espera, o que não pode ser encarado também como um defeito.
O longa é muito inteligente em discutir papeis sociais e em como eles são vistos e problematizados, além de trazer uma história genuinamente divertida com um humor ácido e inocente na medida certa, feito inclusive para conquistar públicos mais velhos que também terão acesso as referências que o texto traz a outras produções e contextos. As reflexões promovidas também são uma delícia de acompanhar, pois não é nada muito “cabeça” ou cult demais, sendo o ponto chave o monólogo de Glória (America Ferrera), durante sua passagem por Barbieland.
Com atuações primorosas e propositalmente exageradas partindo dos próprios protagonistas, Margot Robbie e Ryan Gosling, outros também conquistam espaços importantes como Kate McKinnon com sua Barbie Esquisita. Ainda falando sobre o Ken de Gosling, que rouba a cena com toda a insegurança de seu Ken e a fragilidade loira que nos encanta sem perceber, se o espectador tiver uma masculinidade um pouco frágil que seja, provavelmente vai ficar ofendido em algum momento do filme. E, adivinha, é exatamente essa a piada. No entanto, o numeroso elenco de apoio deixa um pouco de decepção, pois são muitos nomes de peso que mal tem falas na trama.
Por fim, a direção de arte deu seu nome na construção de um mundo imaginário perfeito com todas as nuances que era esperado de Barbieland, remetendo aos brinquedos muito conhecidos do universo da boneca como as casas sem parede, objetos de tamanho desproporcionais e caixas com roupas. Um fan-service muito bem feito coroado com uma trilha sonora incrível e com músicas de letras condizentes.
E o mais importante de tudo: é um filme! Não foi algo feito para gerar grandes discussões e entrar em crise existencial. Por isso se você for assistir, vá para se divertir e curtir a vibe da Barbie. A vida da Barbie é uma utopia e o próprio nome diz isso. Tentar trazer a fantasia da boneca para a realidade e contextualizar como se fosse possível alcançar ou viver daquele jeito, só prova que a mensagem das histórias infantis sequer foi captada. Por isso se você procura discussões mais densas, esse definitivamente não é um filme que vai te proporcionar isso, e nem precisa, pois nem é seu papel. O filme cativa, atualiza e humaniza um ícone de gerações que já está acostumado a ser cultuado e criticado.