No último dia 10 de abril, a publicação original de “The Great Gatsby” completou seus 97 anos, mas mesmo assim é uma história que se desprende de sua época em vários sentidos. Seja pela crítica à artificialidade da vida da elite ou simplesmente pela sua trama instigante, essa é uma trama que merece ser vista e revista para sempre pelo misto de significados que representa.

Você não deixa de ser jovem ao se tornar adulto 

Aquela coisa sobre a juventude se estender em um espaço de tempo muito maior do que imaginamos é uma verdade ora maravilhosa, ora dolorosa. Ambas realidades coexistem porque antes de tudo é incrível aproveitar o que a juventude pode oferecer, ao mesmo tempo que é terrível não ter maturidade o suficiente para entender aquilo que ainda não estamos preparados. 

A ideia presente em O Grande Gatsby traz uma juventude paradoxal, pois ao mesmo tempo que os principais personagens estão na casa dos 30 anos; ou seja, são jovens mas não tão teoricamente imaturos quanto seriam aos 16 ou 17; eles acabam o sendo de um jeito ou de outro.

Ambos - o livro de Ezra Fitzgerald de 1925 e o filme de 2013, dirigido por Baz Luhrmann com roteiro de Craig Pierce - representam por meio do materialismo essa imatura (em grande parte) necessidade de se exibir por meio das riquezas conquistadas, independente de onde ela veio. É claro que até certo ponto, mas isso falo um pouco mais à frente, relacionado a um personagem específico…

Se é superficial, não importa, os personagens da obra mostram que, nesse ponto de suas vivências e observando através de uma ótica específica, a vida é melhor aproveitada dessa maneira, ou melhor, não há melhor jeito de viver se não esse. Em um trecho do livro, Nick Carraway, o nosso narrador, explica: “a experiência demonstra que a vida é usufruída com muito maior sucesso quando contemplada através de uma única janela”.

Relacionando essa frase a esse universo como um todo, fica a ideia de que para sentir-se encaixado nesse mundo é preciso não levar em conta a realidade por trás dele. Veja o que te dá prazer e feche os olhos para aquilo que não. Um mundo de trevas que precisa existir para que a glória seja aproveitada por aqueles poucos que “a merecem”. Para esses personagens, ter consciência desse outro mundo, representado pela pobreza, é importante somente para entender a importância de fugir sempre dele o quanto for possível e nada mais. A vida material ligada a riqueza e as extravagâncias precisa ser a única a ser enxergada como um objetivo de sucesso para poucos.

É por isso que os personagens agem como se fizessem parte de um culto secreto, que não é nada secreto ao mesmo tempo, e onde todos precisam entrar se quiserem descobrir. Ao mesmo tempo que querem se sentir diferentes e superiores, o tempo todo, a aqueles que não possuem condições de desfrutar do mesmo estilo de vida.

O personagem de Tom Buchanan é, talvez, a exemplificação mais forte dessa lógica.

Declaradamente um homem que age e se sente superior a todos à sua volta, Buchanan não mede esforços, nunca, para reafirmar isso. Parece se sentir confortável em sua linguagem de desprezo, incluindo seus pensamentos racistas presentes em uma ideia de medo pelo “avanço” de outras raças sobre a sua, que seria superior. Independente disso, sua juventude de alguma forma se preserva em sua maneira calorosa de agir, o tempo inteiro, mostrando que seu dinheiro e biotipo formam um casamento perfeito para ser inserido nesse mundo materialista e arbitrário representado pela produção de Fitzgerald. 

Entre livro e filme, produzidos com quase 90 anos de diferença, esse é o personagem que mais parece a exata réplica do que é apresentado no primeiro. Ele realmente se adequa a esse mundo.

Tão materialista quanto ele, ao mesmo tempo tão profundamente consciente da miséria daqueles que não desfrutam das mesmas condições de vida, Buchanan é essa juventude rica e narcisista e que vive em um mundo perfeitamente desenvolvido para eles. Mostrando assim que a arbitrariedade é uma característica inata daqueles que conseguem manter esse estilo de vida. 

O final de Gatsby é uma clara forma de expressar o quanto a personalidade e índole de Buchanan, em todo o peso do que está representando, realmente estão para esse mundo como o azul está para o céu de um dia ensolarado.

A maneira como o personagem consegue agir de todas as formas erradas, e ainda assim não levar em conta as consequências disso, mostra como sua vida neste mundo é um jogo de manutenção de poder através da manipulação da realidade ao seu favor, sempre, não importa se outros serão atingidos.

Gatsby como uma persona não superficial o suficiente para permanecer neste mundo

Se em algum momento deste texto eu disse que o importante para essa juventude rica seria aproveitar os frutos do dinheiro em excesso, sem se importar de onde o mesmo veio, é em Gatsby que está a contradição. Não muito se demora na narrativa, para entendermos de onde veio sua riqueza e como o seu alpinismo social foi algo convencional e ao mesmo tempo “diferente”.  É interessante como aqui, o estilo de Fitzgerald de cortar a narrativa do presente e inserir flashbacks e flashforwards só ajuda a entender melhor esse personagem. Em certos momentos, Gatsby, chega a ser descrito e por isso parecer realmente misterioso aos olhos de Nick Carraway, e portanto aos nossos olhos mas isso não dura por muito tempo. Isso se repete no filme.

Além disso, a forma como o narrador pontua exatamente quando e como descobriu tais histórias sobre o personagem também o fazem perder a superficialidade de suas primeiras aparições. Gatsby fica assustadoramente mais humano à medida que a narrativa avança.

É quando entendemos que o real motivo por trás da construção de sua imagem de riqueza esplendorosa e extravagante, embora misteriosa, são também sobre seus sentimentos por uma outra pessoa que fica claro como toda aquela persona encaixável a esse mundo de riqueza com a sua misteriosa peculiaridade, na verdade é tão errática quanto o pobre Nick Carraway ou qualquer outro personagem longe dos mesmos poderes aquisitivos, seja o mecânico truculento Wilson ou a doce e deslumbrada Myrtle.

Gatsby também é astuto; assim como Buchanan, e soube trilhar o seu próprio caminho para um estilo de vida completamente diferente do de onde veio, quando era realmente muito pobre; mas sua natureza, índole e sentimentos o tornam cada vez mais distante da frieza e arbitrariedade necessárias para sobreviver a este mesmo mundo.

Em busca de um prazer efêmero e o encontro com o palpável

A personagem Daisy é a grande representação dos sentimentos mais profundos de Gatsby e de tudo aquilo que ele parecia procurar como sinônimo do alcance de sua felicidade. Entretanto, à medida que a história do passado dos dois e a trama atual se entrelaçam mostra que, talvez, o peso e a intensidade de tudo isso seja algo mais unilateral. Isso porque é, principalmente, pela visão de Gatsby que ficamos sabendo desse passado dos dois, além de toda a profundidade de seus sentimentos por ela e pelo que viveram.

Isso não significa que seja um passado irreal, inventado ou tampouco que Gatsby sentiu tudo sozinho. Pelas ações de Daisy, sejam elas do passado ou do presente da trama, dá pra inferir que ela também possui sentimentos fortes por ele e pela vida que poderiam ter tido. O que separou os dois e por consequência a realização do sonho desse amor de conto de fadas e quase adolescente, foi justamente o peso do que é real e palpável no mundo. 

Em um trecho específico do livro, sobre quando Gatsby precisou ir embora pela primeira vez da vida de Daisy, dá para compreender o que acaba se tornando real e palpável para ela:

Ela queria que sua vida tomasse rumo agora, imediatamente... A decisão deveria ser tomada por alguma força externa a ela, a força do amor, talvez, ou a do dinheiro, ou a de qualquer outro fator que demonstrasse inquestionavelmente ser o mais prático: aquele que estivesse mais próximo dela

No fim, foi o que é real e mais precisamente material que acabou fazendo com que Daisy seguisse, se distanciando do que poderia ter sido a sua vida. Ela não perdeu ou deixou de sentir esses sentimentos efêmeros e mais inconsequentes, no entanto, o peso da realidade e ao mesmo tempo a facilidade e leveza, em partes, de viver em um mundo confortavelmente artificial fizeram com que esses sentimentos mais instintivos perdessem a força.

A juventude como o combustível para o otimismo em um mundo cruel

A extravagância apresentada neste universo, seja nas festas, roupas, músicas e todo o resto, não é somente uma maneira de criticar a artificialidade desse mundo, mas acaba sendo também uma forma de enxergar um mundo inventado para ser feliz, iluminado e espirituoso, o máximo que puder. Seja para esconder o que realmente está por trás disso tudo, ou não exatamente... A artificialidade presente nas grandes festas de Gatsby, por exemplo, é uma maneira de mostrar como o otimismo acabou sendo um sentimento ligado ao seu passado mas que acabou definindo o seu futuro.

Isso fica evidente quando ele explica que tudo aquilo foi feito para chamar atenção de sua amada. Quase como um pavão se exibindo (ainda que sem demonstrar soberba), Gatsby parecia querer criar uma espécie de realidade paralela, agindo com uma naturalidade como se ele sempre tivesse sido um homem extremamente rico e dessa maneira, conseguiria chamar a atenção de Daisy outra vez, mesmo tanto tempo depois.

O sentimento de Daisy, no entanto, ainda existia mas já era outro. Sua vida, apesar de não ser a mais feliz de todas, já tinha se tornado o quão confortável e artificial ela precisava. A riqueza de Gatsby era real mas envolta em mistério, dúvida e desconfiança por parte da sociedade. Isso não dava a segurança suficiente que Daisy sempre precisou para continuar vivendo dentro desse seu sonho de estilo de vida.

O final de Gatsby, praticamente sozinho, mesmo no dia de sua morte é a representação da indiferença como a “arma secreta” para sobreviver dentro desse mundo. Enquanto Nick, um dos únicos nesse universo que parece-o enxergar separado de suas excentricidades externas, busca tentar respeitar a sua memória, Daisy que também o conhecia profundamente, parece escolher seguir a sua vida como se ele tivesse sido apenas um sonho do seu passado e que não cabe mais nessa sua vida.

Cercado de mentiras, especulações, o personagem teve um fim triste, mesmo que depois de tanto tempo ainda acreditasse e perseguisse, como um desesperado, a ideia de um amor jovem, doce e quase inocente, mas que viveu no passado. Essa é a tal luz verde a que somos apresentados. Algo lindo, reluzente, quase palpável, mas no fim, inalcançável para aqueles que deixaram-se cegar por ela. Gatsby foi um desses.

O otimismo, porém, é um fruto da juventude inocente, mas parece permanecer em Nick Carraway na nova fase de sua vida adulta, como um sinal de esperança em meio a tristeza. No início da história Nick era um homem mais passivo aos acontecimentos e com uma visão mais cínica sobre as pessoas que compunham a elite, Gatsby o mostrou uma nova possibilidade. Assim, o personagem passou a ter uma nova confiança em um mundo, mesmo que injusto e impiedoso, mas ainda assim cheio de possibilidades que permitem que as pessoas continuem acreditando que podem transformar os seus mais loucos sonhos em realidade. Mesmo que o mais aleatório destino represente a possibilidade de acabar com tudo.